Tatuagens – À conversa com uma admiradora

Há quem adore. Há quem odeie. É um tema que dá pano para mangas. Conversámos com a Sara, para quem o universo das tatuagens se revela fascinante e diverso.

Se tivesses de definir a palavra “tatuagem” como farias?

Forma de expressão. Arte. Técnica. Liberdade.

As tatuagens são ancestrais, supostamente remontam a anos AC. Se em outras épocas eram feitas por motivos religiosos ou tribais, por exemplo, o que achas que hoje em dia motiva uma pessoa a fazer uma tatuagem?

O mesmo sentimento, mas adaptado à nossa realidade mais individualista.

Ou seja, fosse para identificar uma pertença a uma tribo, gang ou religião. A ideia acaba sempre por ser dúbia: diferenciar-te de uns para te aproximar e identificar com outros.

Ao mesmo tempo que a tatuagem de hoje em dia, serve como uma forma de expressão e dá-te um individualismo ‘extra’, também te ‘enquadra’ num grupo.

Como tudo na história do ser humano: queremos ser nós – individuais e especiais – mas também queremos pertencer a algum lado ou a algum grupo.

As pessoas tendem a achar que uma tatuagem tem sempre de ter um significado profundo para quem faz, mas não é bem assim, ou é?

Depende. Acho que é uma questão de escolha pessoal. Acredito que existe uma tendência de, à medida que vais fazendo mais e mais tatuagens, a preocupação de que o que vais ‘gravar’ permanentemente no teu corpo tenha um significado profundo vai desaparecendo. Mas novamente: depende de pessoa para pessoa.

Conheço pessoas que não têm uma única tatuagem com significado que não seja o simples facto de ser bonito; pessoas que só têm tatuagens ‘a gozar’; pessoas para quem qualquer significado é válido; pessoas que inventam significados para coisas que querem desenhar… No meu caso, começou com a obrigação de ter um significado ‘maior’ para cada tatuagem. Neste momento tatuo o que me apetece: seja porque simplesmente é uma imagem que gosto ou porque existe uma oportunidade de tatuar com um tatuador que admiro.

Uma tatuagem pode ser considerada uma obra de arte?

Sem qualquer dúvida. As tatuagens são feitas por tatuadores, artistas, ilustradores, etc. Desde a ilustração à técnica utilizada – é uma arte, que deve ser valorizada e respeitada.

Qual é o género de tatuagem que mais te cativa?

Respeito e admiro todo o tipo de tatuagens, desde a tradicional (americana, japonesa, etc), new school, chicano, tribal à ugly tattoo.

Mas diria que o estilo para o qual mais inclino na hora de escolher tatuagens para mim será um estilo mais ilustrativo.

De momento, o que mais me prende o olho são os traços finos, composições mais leves, com sombras menos carregadas. Preferencialmente a preto.

 Achas que podemos dizer que a tatuagem é um acessório/adorno que escolhemos usar para sempre?

Confesso que nunca tinha pensado numa tatuagem como um adorno – para mim.

Quando referes adorno a minha mente leva-me logo para colares, pulseiras, etc. E nesse sentido tenho a certeza que existe muita gente para quem a tatuagem o é. Aliás muitas pessoas tatuam colares, pulseiras, anéis, etc… Tatua-se também maquilhagem: risco de olhos, sobrancelhas, pigmentação de lábios, sardas, etc.

Por muito estranho que pareça sinto maior limitação em tatuar um colar do que uma flor num braço.

Na minha lógica, colares e pulseiras posso usar e uma flor não a consigo ‘colar’ ao corpo (e pessoalmente gosto da maneira como um fio físico caí sob o corpo; mais do que tatuagens que o tentam simular).

Para mim sempre foi uma questão de expressão e individualismo, não tanto de adorno ou embelezamento.

Quantas tatuagens tens? Há alguma que te arrependas ou não gostes tanto?

De momento: 14, mas (sempre) com vontade de fazer mais. Não tenho nenhuma da qual me arrependa no verdadeiro sentido da palavra, porque fizeram sentido no momento da minha vida em que tomei a decisão de a fazer.

Se me perguntasses se faria todas exatamente como são novamente, a resposta é não. Por exemplo, o triângulo que tenho na nuca. Gosto dele, fez e faz sentido. Mas hoje em dia, provavelmente não o teria feito assim – teria optado por outro tamanho, grossura de traço ou local.

Para mim, com o tempo as tatuagens ganham a mesma relevância no nosso corpo (visualmente falando) que alguns sinais de pele: está lá. Existe e faz parte de ti.

Alguma das tatuagens que tens foi feita num impulso?

Sim. Posso dizer que tenho uma semi ‘drunk tattoo’.

Não! Não estava mesmo embriagada – daí o ‘semi’. Aliás não o aconselho de todo: não façam tatuagens bêbadas/os.

Eu estava alegre e feliz, a partilhar um bom momento com uma amiga que estava igualmente alegre e feliz.

Vimos que o estúdio de tatuagens em frente à antiga loja dela estava com uma promoção. Decidimos ir – porque não? Foi uma celebração de um bom momento.

Fizemos ambas coisas muito pequeninas nos pulsos: eu fiz um olho e ela umas reticências.

Preocupa-te teres 70 anos e não gostar de ver o teu corpo tatuado?

Não, aliás arrisco-me a dizer que – neste momento – até estou bastante curiosa com essa imagem.

Visualmente gosto muito de ver quem saí da norma: no outro dia vi uma senhora que devia ter os seus 70 e poucos anos com tatuagens. E sim, claro: primeiro estranha-se; mas depois achei incrível. Fiquei cheia de vontade de ir falar com ela e saber a sua história 😊

Uma referência portuguesa é a Nazaré Pinela (instagram: @bangbangpinela). Embora tenha um estilo específico (pin up vibe) – vale a pena ir ver.

Achas que pode ser visto como um tipo de statement um designer de moda utilizar sobretudo modelos tatuados para apresentar uma coleção?

Sim, sem dúvida, e em vários ângulos de interpretação – consoante o que o designer quiser abordar.

Desde a simples ‘normalização’ e aceitação das mesmas ou a querer provar um ponto socialmente controverso.

As tatuagens ainda são mal vistas em alguns países, sociedades e por algumas gerações – mesmo em países onde já são bastante usuais e aceites.

Um designer que apresente qualquer modelo com tatuagens na Coreia do Sul terá com certeza uma vontade de passar uma mensagem social no sentido da aceitação das mesmas – sendo que são razão de desonra para a família da pessoa tatuada e simbolismo da cultura underground e rebelião no país.

Depois temos que considerar que mesmo dentro do mundo das tatuagens, existem modas e tendências. E que, para alguns, podem estar intrinsecamente ligadas com a cultura visual de uma época, e consequentemente à moda.

Por exemplo um designer americano que apresenta modelos com tatuagens pode tanto estar a querer abordar uma temática social – no sentido de aceitação das mesmas.

Ou por exemplo, se utilizar apenas tatuagens específicas dos anos 90 – pode ser um revival temporal e a eventual tentativa de trazer de volta essas temáticas e símbolos visuais.

O que acharias se as grandes casas de moda lançassem coleções cápsula em forma de tatuagem?

Nada contra, dependendo de como o comercializam. Passo a explicar: para mim o conceito de tatuagem é tatuagem real – permanente e com agulhas.

Não tenho nada contra às chamadas ‘tatuagens temporárias’ tirando o nome. Claro: percebo a lógica do “tatuagem temporária”. Mas acredito que o conceito ‘tatuagem’ tem outras implicações. É uma arte.

Se uma Gucci ou uma LV decidisse fazer uma coleção cápsula de tatuagens acredito que deveriam ser desenhos únicos e originais – até para manter a credibilidade, criatividade e qualidade do nome e marca. E que fossem tatuados por pessoas especializadas.

Caso a ideia fosse as tais ‘tatuagens temporárias’ talvez sugerisse a mudança de naming.

Na tua opinião, qual é o panorama da arte de tatuar em Portugal, comparado com outros países?

Se formos comparar com países como o caso da Coreia do Sul ou mesmo Japão: em Portugal temos uma liberdade e democratização das tatuagens sem comparação. 

Relativamente a países onde as tatuagens são uma realidade aceite acredito que estamos bastante próximos, mas claro, ainda existem diferenças. Acredito que a maior diferença esteja na interacção e percepção dos estúdios de tatuagens. Lembro-me de ver, noutras grandes cidades, estúdios que pareciam quase lojas de design – longe da decoração e ambiente das que maioritariamente vemos nos estúdios/lojas das nossas cidades. Esta falta de diversidade pode ajudar a formar ideias e caracterizações tendenciosas. 

Também o comportamento do cliente: já por várias vezes em conversa com tatuadores nacionais e internacionais, fiquei com a sensação de que nós (portugueses) somos menos impulsivos. Existe menos o comportamento momentâneo de “walk in”, ou seja: entrar em loja/estúdio para fazer uma tatuagem, só porque sim. 

Adicionalmente, sinto que a percepção do tatuador também não está “desenvolvida”. Ou seja, acredito que a maioria das pessoas ainda tem só em consideração o que quer tatuar e como, e não procura adequar o que deseja ao tatuador indicado. Falta vermos os tatuadores como artistas individuais, que têm o seu estilo, o seu traço, as suas ilustrações, etc e não só como alguém que vai desenhar o que eu quero, como eu quero. 

Olhando para dentro do nosso país sinto que a tatuagem é cada vez mais comum. Tão comum ao ponto de já conhecer pessoas que se sentem mais ‘diferentes’ por não terem nenhuma 😊

Por outro lado, acho que ainda existe algum estigma, principalmente das gerações mais velhas – mas já nada tão limitador como antigamente.

Dentro da realidade nacional de tatuagens, como consumidora e adepta, vejo cada vez mais estilos a surgirem; mais eventos e festivais de tatuagens; diferentes técnicas a ficarem mais acessíveis (ex: handpoke); cada vez mais artistas e ilustradores que nunca foram tatuadores a começarem a tatuar… É sinal de que é uma cultura viva; que não estagnou. Está a crescer e a acompanhar a sociedade.

Quais os teus três tatuadores portugueses preferidos?

Posso sugerir 4? 😊

Douglas Cardoso (@dcardosotattoo), para mim é dos tatuadores que conheço que melhor alia a técnica à criatividade. Já passou por várias fases: desde o pontilhismo ao estilo tradicional, mas sempre com uma qualidade irrepreensível.  

A Catherina Cardoso (@notfromthisbox), foi a última pessoa a tatuar-me e é a materialização do estilo que neste momento mais gosto e me identifico, para além de ser super acessível e querida.

O Igor Gama (@igorgama) que é, sem dúvida, um dos nomes mais estabelecidos em Portugal no que toca a qualidade.

E finalmente a Patricia Shim (@patriciashim), com quem nunca tatuei, mas descobri-a há pouco tempo no Instagram e, pela primeira vez, fiquei com vontade de tatuar com cores.

 

Sara Banazol
Producer, 32 anos.
Adepta das tatuagens e de arte em geral.